Sinopse: Vários anos depois dos acontecimentos do filme original, o agora coronel Nascimento tem um filho adolescente, fruto do casamento com Rosane, sua ex-esposa, que está casada com um deputado. Quando milícias formadas por PMs começam a extorquir moradores das favelas do Rio, constituindo uma máfia implacável, Nascimento se vê diante de um adversário com o qual não sabe lidar: os políticos.
Elenco: Maria Ribeiro (Rosane), Wagner Moura (Capitão Nascimento), Seu Jorge, Milhem Cortaz (Capitão Fábio), Tainá Müller, Irandhir Santos, André Ramiro, André Mattos, Bruno D’Elia, Pedro Van Held, Sandro Rocha.
Direção: José Padilha
Roteiro: Bráulio Mantovani
Semana passada tentei, sem sucesso, assistir ao mais novo Blockbuster brasileiro. Fiquei frustrado com as filas gigantescas e falta de ingressos nos cinemas por vários dias seguidos. Pensei comigo mesmo “final de semana de estréia é complicado. Vou deixar pro póximo que vai estar mais tranqüilo.”. Ledo engano. Mais uma vez passei alguns minutos preciosos à frente do computador, lutando contra o site extremamente lento da Ingresso.com para tentar comprar meus preciosos ingressos. Tive que fazer umas 20 ligações para acertar os horários com o grupo que iria comigo. No final das contas, quase todos desistiram e ficamos apenas eu, minha digníssima Thais e a minha irmã Luciana. Felizmente posso dizer que valeu cada minuto perdido.
Tudo no filme é perfeito, por isso irei comentar separadamente tudo o que me chamou a atenção.
O design de som está impecável. Nunca antes num filme brasileiro o som foi tão bem mixado e realizado. Não estou falando só dos tiros, estou falando da ambientação da favela, da câmara dos deputados, das internas, de Bangu 1, tudo está perfeito, com vibração, com força. Ainda não descobri onde foi realizada a mixagem, se aqui ou nos EUA. Se foi aqui, chegamos ao nível de filmes americanos o que é invejável.
A direção de arte está ótima, com uma perfeita ambientação dos lugares onde se passa o filme. Tudo bem que temos muitas externas, mas mesmo assim, podemos ver claramente que tudo foi feito com muito cuidado, das roupas dos presos de Bangu 1 até o hospital fictício utilizado numa parte crucial do filme (a locação utilizada para esse hospital foi o prédio da Ampla em Niterói, que é perto da onde eu morava. Passei mais de uma semana dormindo com barulho de tiros e derrapagens).
A montagem do filme é divina. Daniel Rezende (montador do primeiro e indicado ao Oscar de melhor montagem por Cidade de Deus) reafirma sua capacidade de contruir um filme com perfeição, tornando-o fluente e crível. As intercalações entre a invasão de Bangu 1 e uma palestra de Fraga (personagem de Irandhir Santos) são de tirar o fôlego!
O roteiro de Bráulio Mantovani é de uma coragem sem precedentes. Ele critica a polícia e a política de uma forma surpreendente. Nunca esperaria isso de um filme a ser lançado próximo das eleições no país. Fora isso, os detalhes (o linguajar dos PMs e Milicianos são fantásticos), a construção dos personagens (o Fraga é um contraponto perfeito ao Nascimento), a forma como ele conseguiu fazer um filme totalmente novo e completamente diferente do primeiro, tudo isso é mérito dele. Não é a toa que o cara foi indicado ao Oscar por Cidade de Deus.
O elenco de apoio é sublime. Conseguimos ver com perfeição o que se tornaram alguns personagens do primeiro filme e nos surpreendemos com outros que mal apareciam. André Ramiro volta ao personagem Mathias com uma interpretação contida e ideal, transmitindo determinação a cada olhar. Se antes ele passava insegurança e um tom mais de paz, agora ele se tornou o Capitão Nascimento. E seu criador percebe isso no impulso da criatura no início do filme. Milhem Cortaz (Coronel Fábio) continua sendo o ponto cômico do filme, com sua fala rápida e recheada de palavrões. São dele os novos bordões que irão cair na boca do povo. Não há como não sair do cinema rindo de falas como “Pica das galáxias” ou mesmo “quer me foder, então me beija.”. Um outro personagem que aparece pouquíssimo no primeiro filme e que agora volta como um dos papéis principais é o Major Russo, interpretado por Sandro Rocha. Numa interpretação perfeita, Sandro consegue transformar o seu policial em um monstro sem limites. É bom ver que algumas pessoas, quando tem a oportunidade, podem surpreender, e foi o que aconteceu com Rocha. Fiquei impressionado com a atuação de André Mattos, como o político e apresentador de TV Fortunato. Como uma mistura de Vagner Montes e Dattena, ele mostra como a mídia pode influenciar nas decisões do governo e ainda mais na decisão do povo. Com uma atuação perfeita sem ser caricaturada demais (para o personagem é impossível não ser caricato, pelo menos um pouco), ele rouba a cena em diversos momentos do filme, deferindo frases de efeito como “Agora vamos dar bombons para a vagabundagem” entre outras extremamente inspiradas. Agora, quem rouba mesmo a cena é Irandhir Santos com o seu deputado Fraga. É impressionante como conseguimos simpatizar com seu personagem, com sua causa, com a sua vontade de fazer o certo, nas rixas com Nascimento (que deveria ser o herói da história). Um ator a ser descoberto. Muito bom mesmo. O único ponto fraco no elenco é o filho de Nascimento (o de 15 anos). Apesar de ter poucas falas no filme, o menino é fraco demais perto de monstros como Wagner Moura. E por falar nele...
Bom, não há Tropa de Elite sem Capitão Nascimento. E não há Capitão Nascimento sem Wagner Moura. Num país cheio de atores caricaturados que só sabem fazer novela, eis que surge esse baiano pra mostrar pro mundo como ser um camaleão. Sim, um camaleão. Ele consegue ser um comediante de mão cheia, consegue fazer papel de vilão em novela e consegue ser um oficial do BOPE, isso tudo sem se prender a um personagem, o que é um fato raro. O seu Coronel nascimento é perfeito. Os detalhes de sua interpretação são minimalistas e percebidos desde a conversa com o filho afastado (perceba como ele fica desconfortável em dizer algo carinhoso para o filho) até em cenas mais pesadas, como quando ele espanca determinado personagem (vemos ódio em seu rosto). Um personagem extremamente complexo e que caiu como uma luva nas mãos de um ator competente. Posso dizer, sem sombra de dúvidas, que Wagner Moura é o melhor ator do Brasil.
Mas nada disso seria possível sem uma mão forte no comando da produção. José Padilha, que já demonstrou competência sublime em Ônibus 174 e no primeiro Tropa, mostra o quanto sua técnica melhorou nesse segundo filme. Não só sua técnica, mas também suas escolhas. Escolhas até então controversas ainda mais de um filme produzido pela Globo, mas louváveis. As sequências de ação são perfeitamente conduzidas e bem superiores tecnicamente que as do primeiro filme. A cena do atentado então é muito boa e tensa, assim como a invasão de um personagem ao novo QG da milícia no bairro do Tanque em Jacarepaguá. Quase arranquei os braços da poltrona! A direção de atores é feita de forma competente, onde vemos, por várias vezes, a permissão do improviso, o que torna o filme mais crível. José Padilha, um dos melhores diretores brasileiros atualmente, conseguiu um feito incrível: fez uma continuação de um filme no Brasil (são pouquíssimos os casos) e ainda provou que se pode fazer um sequência infinitas vezes melhor que o seu original. Padilha ainda vai trazer o nosso primeiro Oscar, tenho certeza.
Por mais uma vez esse ano meu queixo foi ao chão no final de uma sessão de cinema. Um soco no estômago, como diriam alguns críticos. Foi isso que eu senti ao subir dos créditos desse Tropa de Elite 2. Me senti nauseado, enojado, puto. O turbilhão de pensamentos que tive ao final de “A Origem” voltou, mas foram pensamentos completamente diferentes, pensamentos de raiva, raiva da negligência, da minha negligência, da negligência do próximo e do pensamento “vou me dar bem” que permeia cada brasileiro. Como podemos viver numa sociedade assim? Como podemos aceitar e permanecermos passivos, acomodados em nossas casas, assistindo nossa TV a cabo, dentro de um quarto com ar-condicionado enquanto a podridão governa? Podridão que nós colocamos lá! Que nós, como cidadãos, aceitamos e elegemos! Com isso só posso concluir que somos burros, burros passivos e ignorantes. E agradeço ao José Padilha por me mostrar, com um soco no estômago, a gravidade dessa passividade.
Obs.: Há uma falha no filme bem boba. No início, o Fábio Fraga é candidato a deputado estadual, mas seu número possui apenas 4 dígitos, o que representa um deputado federal.